Milhões de zemas (por Cristovam Buarque)
Zema foi criticado, mas todos aceitam o tratamento diferenciado das crianças conforme a renda e o endereço onde vivem
atualizado
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A declaração do Governador de Minas Gerais Romeu Zema surpreendeu o país ao explicitar a tática de unir politicamente o Sul e o Sudeste, a parte rica do país, contra o Norte e o Nordeste, a parte pobre. A reação foi de ampla rejeição à ideia de dividir o Brasil, mas poucos percebem que os brasileiros aceitam a divisão no que se refere à qualidade da educação oferecida às crianças. Todos desejam um país unido, mas toleram que a responsabilidade da educação deve depender da riqueza e da vontade da família que usa o sistema privado e do município, para quem usa o sistema público.
Apesar da reação contrária à proposta do Zema de unir estados que produzem contra aqueles que vivem de bolsa família, ainda são raros os que defendem a ideia de que a educação de uma criança brasileira deve ser responsabilidade do Brasil inteiro, promovida pelo Estado Nacional. Prevalece a visão de que o futuro de cada criança deve ser responsabilidade da família para quem pode pagar ou do município para quem não pode. Embora defenda-se um Brasil unitário, aceita-se que alguma crianças terão educação com qualidade, outras não.
Zema foi criticado, mas todos aceitam o tratamento diferenciado das crianças conforme a renda e o endereço onde vivem, separadas entre um sistema com qualidade diferenciada entre privado e público, por um lado, e por quase 6.000 diferentes qualidades, conforme o município e o estado, de acordo com a receita da prefeitura e a vontade do prefeito. Condenadas à desigualdade conforme a renda dos pais ou a receita da prefeitura.
Critica-se o Zema que explicita a ideia, mas tolera-se a indecência de que nossas 50 milhões de crianças tenham escola com qualidade radicalmente diferente. Raros aceitam ao menos debater a ideia de que o Brasil tenha um Sistema Único Nacional Público de Educação de Base, federal. No que se refere à educação, o Brasil está dividido, e isto é visto como natural, mesmo pelos que criticam a ideia da divisão regional. O Brasil recusa dividir sua população conforme a região, mas aceita dividir suas crianças conforme o município.
Em educação, temos milhões de defensores da divisão apartando a educação das crianças conforme a renda ou o endereço. Tantos aceitam isso, que nem percebemos.
Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro