Exilados e exilados (por André Gustavo Stumpf)
Muita gente fugiu da ditadura de 64, época de pesadelos reais: tortura, prisão e morte. Agora o movimento se renova com outros argumento
atualizado
Compartilhar notícia

A história é escrita por uma linha vadia e delirante. Ninguém tem o poder de antecipar o próximo capítulo. No Brasil dos anos de chumbo, os perseguidos da ditadura militar fugiam para as democracias liberais da Europa, onde apesar da dificuldade da falta de recursos conseguiam denunciar os malfeitos do regime. Era uma situação que incomodava o poder, em Brasília, porque os grandes jornais europeus, volta e meia, publicavam denúncias de torturas, censura e outras agressões à liberdade individual. Carlos Lacerda, quando ainda defendia os militares, disse numa entrevista em Paris que a democracia brasileira era igual ao casamento francês, sem sangue.
Piada algo ofensiva, mas os ses não aram recibo. Continuaram recebendo os exilados brasileiros e publicando de tempos em tempos relatos sobre os desmandos dos militares no Brasil. Um momento especial desta movimentação de fuga do país ocorreu quando Leonel Brizola solicitou exílio ao governo dos Estados Unidos. O presidente Jimmy Carter concedeu. Ele residiu por uma longa temporada no Hotel Roosevelt em Nova Iorque. Depois se estabeleceu em Lisboa. Arraes ficou muito tempo na Argélia. Fernando Gabeira ou pela Suécia, onde foi porteiro de hotel, e depois se fixou em Paris.
Muita gente fugiu naquela época de pesadelos reais: tortura, prisão e morte. Agora o movimento se renova com novos nomes e outros argumentos. Eduardo Bolsonaro, com receio de ser preso, entrou no avião e surgiu nos Estados Unidos, vestindo o uniforme de exilado por decisão própria. Deixou o mandato de deputado federal e iniciou sua ação, junto ao governo dos Estados Unidos, para realizar pressões contra os ministros do Supremo Tribunal Federal, em destaque o ministro Alexandre de Moraes.
Outros blogueiros já tinham frequentado esta rota para fugir das decisões do Supremo. Alguns preferiram se esconder na Argentina e outros países vizinhos. A tentativa de derrubar o governo no início do mandato do presidente Lula, produziu vítimas e réus. A deputada Carla Zambelli, que não costuma refletir sobre seus atos, também atravessou a fronteira para a cidade argentina de Iguazu, fronteira com o Paraná, pegou um avião foi até Buenos Aires. Dali voou para Miami e afinal chegou a Roma. Anunciou sua decisão de fixar residência na Itália. Ela tem a cidadania italiana.
Zambelli, paulista de Ribeirão Preto,45 anos, casada com o Secretário de Segurança da Prefeitura de Caucaia, Ceará, (ele também pediu licença de seu trabalho) Antônio Aginaldo de Oliveira, exagerou nos meios. Falou demais e antes da hora. Ela julga estar protegida de eventual prisão por ter cidadania italiana. Não é tão simples. O Ministro Alexandre de Moraes, atendeu à sugestão da Procuradoria Geral da República e decretou a prisão dela, indisponibilidade de bens, suspensão de seus atos nas redes sociais e inclusão de seu nome na lista vermelha da Interpol. Ela está cercada por todos os lados.
Terá muitas dificuldades para receber recursos no exterior. Além disto, está condenada a dez anos de prisão por ter tentado, junto com um hacker, incluir documentos falsos no site do Conselho Nacional de Justiça; E está perto de ser condenada por porte de arma quando às vésperas da eleição perseguiu um petista, em São Paulo, com revolver na mão. Bolsonaro atribui ao episódio a principal razão para ter perdido a eleição. Ela poderá ser julgada pela justiça italiana. Ninguém sabe o que vai sair da cabeça de um juiz. Robinho, jogador de futebol, está cumprindo pena em São Paulo por delito cometido na Itália.
Zambelli não desfruta de prestígio junto aos bolsonaristas. Estes, por sua vez, estão divididos entre várias alas porque há vários governadores de Estado em condições de ser o candidato à Presidência da República. Bem à frente de todos está Tarcísio Freitas, governador de São Paulo, que ainda não se decidiu. Ele prefere se recandidatar ao governo do estado, mas há grande pressão para que ele seja o candidato à Presidência. Neste momento em que a popularidade de Lula está em baixa, os índices de reprovação do governo são superiores aos de aprovação, as candidaturas começam a se revelar.
Jair Bolsonaro tem reduzidas chances de ultraar os problemas que o cercam e o envolvem. Ele, que já pensou em se asilar na Embaixada da Hungria, está com o aporte retido pelo STF. Para ele, neste momento, não há a hipótese de uma viagem legal. Poderá fugir para evitar a prisão que parece estar mais próxima. O exílio, às vezes, purifica e melhora o político brasileiro, que precisa conhecer outras realidades para viver com menos intensidade o seu delírio de poder. No caso de Zambelli, ela é, apenas, uma foragida da justiça brasileira. Há exilados e exilados. É preciso não confundir uns com os outros.
André Gustavo Stumpf, jornalista ([email protected])